Confira a sentença na íntegra no PDF
disponibilizado no site do TJSC.(ACESSE)
Na decisão, foi citada a importância social da Busscar
e questionada a viabilidade de recuperação da empresa. Confira o trecho:
“De fato, sempre que se puder salvar uma empresa, seja
de que tamanho for, tenha ela muitos ou poucos funcionários, é saudável e
indicado, já que a atividade produtiva gera riquezas e ajuda a diminuir a
desigualdade social. Este é mesmo o objeto da ação de recuperação judicial,
conforme a dicção do artigo 47 acima transcrito.
Mas, não se pode olvidar que um dos requisitos básicos
para que a recuperação judicial seja concedida é a viabilidade da recuperanda.
É fundamental se verificar se a empresa tem ou não capacidade de se reerguer.
Se é certo que a falência deve ser a última das
hipóteses, não menos certo é que nem sempre a quebra é prejudicial à sociedade.
Empresas como as recuperandas, cuja gestão não mais
dispõe da fundamental credibilidade junto à sociedade como um todo e que estão
descapitalizadas e com uma organização administrativa precária não possuem mais
condições de funcionar.
Na realidade, a insistência em recuperar o
irrecuperável será suportado pelos credores e, em última análise, pela própria
sociedade.
Empresa quebrada e sem chance alguma de recuperação
constitui muito mais um ônus para a sociedade do que um bônus. Sua função
social não será atingida se, ao invés de produzir riquezas, produzir mais
dívidas e onerar ainda mais os credores.
Mas por que eu digo que as recuperandas não tem mais
condições de recuperação – Ora, basta um olhar atento aos autos para perceber
que isto é uma dura realidade.
Com efeito, ainda que se diga que a Busscar produziu,
após o deferimento da recuperação em novembro de 2011, mais de cem ônibus, não
se pode deixar de registrar também que desde então não foram recolhidos os
tributos correspondentes à sua atividade produtiva e, ainda e muito mais grave,
não foram recolhidas as obrigações trabalhistas dos seus empregados, sejam dos
que estão em atividade, seja daqueles ociosos, ou seja, daqueles que ainda têm
vínculo empregatício mas que não estão produzindo.
E o que isso significa – Significa que, na verdade, a
dívida da empresa, que deveria começar a ser saneada depois da recuperação,
continua crescendo. A recuperação impõe necessariamente que o passivo após
deferido
o seu processamento não aumente. Impõe gestão
responsável, com o cumprimento das obrigações tributárias, trabalhistas e até
mesmo o pagamento dos fornecedores.
No caso em apreço, as recuperandas simplesmente
ignoram o pagamento de suas obrigações. Ou seja, estão colhendo o bônus que a
lei de Recuperação lhes concede e não estão arcando com o ônus.
Para mostrar como as recuperandas agiram de forma
absolutamente temerária e, porque não dizer, irresponsável, desde o início do
processo de recuperação, basta dizer que, no início do presente ano, autorizei
a venda de um imóvel, que se encontrava penhorado pela Justiça do Trabalho,
para que fossem injetados na empresa aproximadamente R$ 7.000,000,00 (sete
milhões de reais), incrementando a produção.
O que ocorreu – A verba foi de fato utilizada para a
produção mas, através das prestações de conta apresentadas pelas recuperandas,
vê-se claramente que não houve o recolhimento de INSS e de FGTS no tocante a
mão de obra ociosa e, ainda, não foram recolhidos encargos sociais da mão de
obra direta (veja-se, como exemplo, a manifestação de fls. 6.533/6.535, do
administrador Judicial).
Pergunta-se: é possível admitir a produção de um monte
de ônibus sem que os encargos dos trabalhadores seja quitado – Isso é cumprir a
função social – Não seria muito mais responsável produzir menos e quitar as
suas obrigações – As respostas são óbvias.
Enfim, os fatos acima mostram, de forma inequívoca,
que a continuidade da empresa, do jeito que se encontra, trará ainda mais
prejuízos à sociedade.
Se deferida a recuperação, o cenário seria a venda de
um monte de ativos, a utilização inadequada dos valores, o aumento do
endividamento das recuperandas, a diminuição das garantias e, por fim, prejuízo
ainda maior para os credores que, hoje, já não têm certeza de quanto receberão
daquilo que lhes é devido.”
Consideração da
Justiça sobre a situação dos trabalhadores
A situação dos trabalhadores também foi citada na
decisão. Confira o trecho que trata sobre este assunto:
“Ponto que merece destaque é a situação dos
trabalhadores da empresa, sejam os que estão em atividade, seja os que já não
laboram mais no local e
tiveram que se socorrer à Justiça do Trabalho para
tentar receber o que lhes é devido e, ainda, seja a enorme a gama de funcionários
ociosos que não produzem, não recebem e não têm seus contratos rescindidos.
Em suas manifestações, seja pela imprensa, seja nos
autos, as recuperandas se vangloriam por ter ao seu lado os trabalhadores das
empresas.
Esse apoio tem que ser ponderado.
Boa parte – para não dizer quase a totalidade – dos
votos que as recuperandas tiveram a seu favor na assembléia foram através de
procuradores. Não que isso não tenha valor jurídico. Muito ao contrário, isto é
previsto em lei.
Mas o que chama atenção é que são pessoas que estão
trabalhando e recebendo e, portanto, não teriam evidentemente interesse em ver
a sua fonte de renda quebrada.
Outra casta de funcionários, no entanto, existe e não
foi tratada com igualdade no plano de recuperação judicial por parte das
recuperandas.
Na realidade, de todo esse processo que culminou com a
presente sentença – levando-se em conta inclusive tudo o que aconteceu nos
últimos anos com as empresas recuperandas – sempre quem mais sofreu foram os
trabalhadores, sobretudo os da própria Busscar.
Centenas, dezenas, milhares de pais de família estão
anos a fio sem receber um centavo sequer daquilo que lhes é devido. Se
endividaram porque não recebiam seus haveres e, ainda assim, tinham que colocar
comida na mesa para seus filhos. Pegaram dinheiro emprestado, venderam bens e
tiveram que buscar socorro na Justiça laboral para tentar receber simplesmente
seus salários e verbas rescisórias.
Para eles, que tanto vêm sofrendo, incrivelmente, o
plano de recuperação chega a prever deságio de até 50% em alguns casos. Isso
mesmo. O trabalhador não recebe por anos, paga juros, aumenta sua dívida e tem
que se deparar com uma proposta que oferta de pagamento de apenas parte dos
créditos que possui, e ainda de forma parcelada e, em algumas hipóteses, sequer
em espécie. É inaceitável.
De outro vértice, para boa parte dos trabalhadores na
ativa, muitos dos quais outorgaram mandatos para serem representados em
Assembléia, a oferta foi de pagamento integral do débito em 90 dias. É certo
que o crédito destes era beminferior. Mas a desigualdade, o tratamento
gritantemente diferenciado, não tem como ser aceito.
Durante todo o curso do processo, o que pude fazer
para tentar amenizar essa desigualdade foi determinar que o plano de
recuperação apresentado pelas recuperandas fosse ajustado, porque sequer o
artigo 54 da Lei de Recuperação Judicial havia sido observado.
Se esse juízo teve, por imposição legal, que agir como
espectador durante boa parte do feito, agora não mais. Tendo a decisão ficado
nas minhas mãos, representando o Judiciário, posso e vou levar em consideração
todo o contexto do processo de recuperação, inclusive algumas injustiças que
verifiquei no plano de recuperação, sobretudo, repito, na parte referente ao
pagamento do passivo trabalhista.
Toda este quadro mostra, de forma absolutamente clara,
que o melhor, para todos, inclusive para aqueles que acham que a quebra pode
representar a perda de sua fonte de renda, é a decretação da falência,
possibilitando que outras pessoas assumam esse nicho industrial próspero, com
essa mão de obra de “primeiro mundo” que temos aqui, com trabalhadores
qualificados e estimulados, que possam chegar ao último dia do mês e levar para
casa seu salário e ter a certeza que seus direitos trabalhistas serão
respeitados.
Resumo: seja por imposição legal (análise objetiva da
falência), seja porque a manutenção das atividades representaria o aumento do
endividamento, a diminuição das garantias e a possibilidade de um calote ainda
maior (análise subjetiva da falência), outra saída não há que não a decretação
da falência das empresas recuperandas.”
Tecnofibras e ClimaBuss
Duas empresas do grupo Busscar foram autorizadas a
manter suas atividades. Confira o trecho da sentença que diz respeito à
Tecnofibras e à ClimaBuss:
“Certa a quebra, cumpre destacar que duas das
recuperandas podem manter suas atividades, sob o pálio do administrador
judicial e sua equipe, porque, pela análise dos documentos acostados aos autos,
são empresas superavitárias.
Uma delas é a Tecnofibras. Trata-se de empresa em
plena atividade e que, lacrada e na ociosidade, importaria em prejuízos certos
e perda de potencial de venda e produção.
A outra é a Climabuss. A situação desta, ao que
parece, não é tão favorável quanto a da Tecnofibras, mas tudo indica que pode
se manter por enquanto.
Assim, a manterei em funcionamento e, trinta dias após
a quebra, deverá o síndico apresentar relatório que indique ou não seu
fechamento.”